quarta-feira, 20 de julho de 2011

Essencial


Carmella – Beth Orton

Eu saía do metrô. Essa música me ocorreu, e por algum motivo eu quis acreditar que o modo aleatório do Bill, tinha um quê transcendental de vez em quando. Parei pra esperar uma grande amiga chegar, e passei os lhos, rápidos, invisíveis, e impensáveis por todos. Todos mesmo. Todos à minha volta eram ligeira e educadamente revistados por olhos sagazes que esquadrinhavam o ambiente. Vislumbrava em cada um daqueles seres humanos o toque de vida que cada um dispunha. A vida inteira pela frente, as histórias pessoas de cada um, as particularidades de cada ser humano. A vida de repente mostrou que havia algum sentido em toda a correria, em toda a multiplicidade, em toda a diferença de cada um, enfim pareceu que algo faz sentido na correria, na variedade, na vida mesmo. Veio-me a mente que cada um daqueles pequenos e ínfimos seres humanos tinha seu papel, seja numa sociedade variada de uma cidade, de um país, de nosso planeta ou quisá no universo. Pareceu idiota, e pobre da minha parte a partir daquele momento ignorar a variedade e divina importância de cada um no meu cotidiano. Pareceu heresia desvalorizar o trabalho de qualquer ser vivo nessa rede conectada e gigante que une a todos nós. Tudo fez sentido afinal, foi uma revelação. De algo que havia de se mostrar pra todos, pra termos ideia constante e irrestrita do quanto somos um só coração, uma só célula. Depois que a amiga querida chegou, parei pedi que fechasse os olhos, lhe coloquei os fones, e ela fez o que pedi, abriu os olhos e olhou rápida e educadamente pra todos a sua volta. Éramos dois em meio há algumas centenas que passaram por ali, correndo, rugindo, e bravejando por um lugar ao Sol, nós parados, olhando-os sem ao menos eles perceberem, eles corriam afobados com sua pressa sem fim, e nós dois, tendo uma baita revelação. Mal sabíamos nós que o dia que seguiria seria cheio de revelações quanto a necessidade de cada ponto no crochê da vida.

Aeroporto de Curitiba, Paraná. 11:17 – 19 de julho de 2011

A sensação volta. A certeza de que não é nada passageiro. A certeza de que uma noção, uma lição de humildade foi aprendida, e que certamente deve ser aplicado com vontade. Desde a moça que passa o pano no chão à minha frente até o piloto consagrado que fala no telefone ao meu lado e carrega seus objetos caros e desnecessários. Todos têm de fato seu papel nesse aeroporto, em suas casas, em seu país, e nesse universo pequeno. Todos somos formigas sim, mas iguais em importância, ainda que pareça mentira, somos todos iguais em importância, e bens materiais continuam não dizendo nada sobre essa importância. Os papéis que executamos são essenciais a alguma parte em algum momento, mas tranqüilizem-se, certamente somos especiais e necessários. Todos nós. Mesmo.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Incompreensível como Clarice

Enquanto o líquido descia ainda amargo e morno por minha garganta eu fitava as pessoas. Numa incompreensão inatingível. O modo como falavam, bebiam, por vezes comiam, se portavam em bando. Não entendia. Olhava o carpete já surrado, a disputa intraespecífica por sentar em uma daquelas poltronas, e se jogar numa comodidade importada. Eu era um deles afinal, estava ali no meio, bebendo, disputando, vivendo. Tentei sair de casa e encontrar nos trilhos, na fumaça, no rosto desconhecido, no café forçado, a resolução pra algo, o ouvido pra algo, a saída dessa torpe situação em que me encontrei.

Tento falar e a garganta fecha, é uma imcompreensão das quatro paredes. Clarice me diz algumas sábias palavras, que por mais que me toquem, e me distraiam, como era o objetivo inicial, não me tiram da solidão.
Recorri a todos os meus amigos, nenhum deles me atendeu, me guardei pra mim, endurecido afinal. Amadurecido? Duvido. Só endurecido por estar noutra realidade.
Acabo de perceber que perdi todo o deslumbramento, todo o maravilhamento que tinha com as coisas...a vida mesmo na cidade mais querida fica cinza. O que é esse mal que insiste em nublar minha vista? Será que não sou artista e não tenho o maravilhamento com tudo, sempre, como deveria ter? Será que não sou diferente? Será que a vida é isso mesmo, daqui pra frente, sem mais graça, sem mais divertimento e surpresas no caminho pro infinito? Será que ISSO é virar adulto...?
Esse olhar das pessoas, essas verdades pressupostas, detesto isso...tudo isso. Detesto ter de fingir algo que não sou, quando tenho que...
Detesto ter que viver dias assim...
A tal mulher se contentava só com o viver, só com seu estar vivendo. Em seu mundo da janela, mesmo perdendo o marido, se achou dentro de si mesma. Depois que viu que era pouco, morreu de uma morte bonita, pra dentro de si, e continuou só o corpo, a vagar, a falar, a comer e defecar. E a mim? O que me resta como viver? Temo que não tenha essa beleza, ainda que com prazo de validade, de ser feliz só por viver, ainda mais quando esse viver cinza e ácido insiste em assolar dias que TINHAM, tinham mesmo que ser muito coloridos.
Não sei o que tá acontecendo...
Quero uma privacidade de não saber quem sou, e agir como for...sem esses olhos variados e famintos sob minhas costas me privando de sentir o que sinto, de viver o que devo e de fazer o que quero.
Bah...chega vai.