quarta-feira, 6 de julho de 2011

Incompreensível como Clarice

Enquanto o líquido descia ainda amargo e morno por minha garganta eu fitava as pessoas. Numa incompreensão inatingível. O modo como falavam, bebiam, por vezes comiam, se portavam em bando. Não entendia. Olhava o carpete já surrado, a disputa intraespecífica por sentar em uma daquelas poltronas, e se jogar numa comodidade importada. Eu era um deles afinal, estava ali no meio, bebendo, disputando, vivendo. Tentei sair de casa e encontrar nos trilhos, na fumaça, no rosto desconhecido, no café forçado, a resolução pra algo, o ouvido pra algo, a saída dessa torpe situação em que me encontrei.

Tento falar e a garganta fecha, é uma imcompreensão das quatro paredes. Clarice me diz algumas sábias palavras, que por mais que me toquem, e me distraiam, como era o objetivo inicial, não me tiram da solidão.
Recorri a todos os meus amigos, nenhum deles me atendeu, me guardei pra mim, endurecido afinal. Amadurecido? Duvido. Só endurecido por estar noutra realidade.
Acabo de perceber que perdi todo o deslumbramento, todo o maravilhamento que tinha com as coisas...a vida mesmo na cidade mais querida fica cinza. O que é esse mal que insiste em nublar minha vista? Será que não sou artista e não tenho o maravilhamento com tudo, sempre, como deveria ter? Será que não sou diferente? Será que a vida é isso mesmo, daqui pra frente, sem mais graça, sem mais divertimento e surpresas no caminho pro infinito? Será que ISSO é virar adulto...?
Esse olhar das pessoas, essas verdades pressupostas, detesto isso...tudo isso. Detesto ter de fingir algo que não sou, quando tenho que...
Detesto ter que viver dias assim...
A tal mulher se contentava só com o viver, só com seu estar vivendo. Em seu mundo da janela, mesmo perdendo o marido, se achou dentro de si mesma. Depois que viu que era pouco, morreu de uma morte bonita, pra dentro de si, e continuou só o corpo, a vagar, a falar, a comer e defecar. E a mim? O que me resta como viver? Temo que não tenha essa beleza, ainda que com prazo de validade, de ser feliz só por viver, ainda mais quando esse viver cinza e ácido insiste em assolar dias que TINHAM, tinham mesmo que ser muito coloridos.
Não sei o que tá acontecendo...
Quero uma privacidade de não saber quem sou, e agir como for...sem esses olhos variados e famintos sob minhas costas me privando de sentir o que sinto, de viver o que devo e de fazer o que quero.
Bah...chega vai.

Um comentário:

  1. longe da significação das palavras, longe da subjetividade... que adoráveis construções de palavras! adorei a forma como você escreveu, digo. Clarice ficaria feliz também.

    não se preocupe se não sabe viver esses dias cinzas. talvez ele criem mesmo cor, ou talvez seja só uma nova perspectiva que tome forma em breve... =]

    SAUDADE!

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